A SAF do Coritiba completou um ano na última quinta-feira (9). Esportivamente, o período foi muito ruim, com rebaixamento em 2023 e eliminações em 2024. Fora de campo, o problema tem sido a relação com o torcedor, que piorou com as recentes falas do CEO, Carlos Amodeo.
A Treecorp Investimentos comprou 90% da Sociedade Anônima do clube e prometeu investir R$ 1,3 bilhão em 10 anos. O UmDois Esportes conversou com jornalistas para analisar o momento da SAF e o primeiro ano de trabalho.
SAF do Coritiba começou mal
Dentro de campo, o trabalho da SAF acumulou fracassos neste primeiro ano. Antes mesmo do rebaixamento em 2023, o Coxa fez uma janela ruim no meio do ano e trouxe reforços que não corresponderam, como o trio de gringos Samaris, Jesé Rodríguez e Slimani.
“Se você pegar o ano, foi lamentável. Trabalho de baixa qualidade, com profissionais muito despreparados que levaram o clube à queda para a Série B. O Coritiba repetiu o fracasso no Paranaense e na Copa do Brasil. E agora, no início da temporada praticamente, depois de apostar no Guto Ferreira, acabou dispensando o treinador na terceira rodada. Uma transferência de responsabilidade amadorística, quase infantil. Manda o técnico embora e está tudo resolvido? Não, tem que ver todo o retrospecto da responsabilidade da SAF com o Coritiba”, opina Carneiro Neto, colunista do UmDois Esportes.
O jornalista e pesquisador Irlan Simões, do ge.com, vai além, e defende que as SAFs também vão viver os problemas que já aconteciam nas associações civis.
“Particularmente, sempre fui da posição que a gente teria que levar uns sete a oito anos para poder ter algum indício do que foi feito em cada SAF. Porque o processo de gestão do futebol é extremamente complexo, não é por que chegou uma empresa privada que vai resolver todos os problemas que envolvem a difícil indústria do futebol”, aponta.
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“Existem questões culturais que impactam o futebol. É um ramo muito difícil de trabalhar em qualquer lugar do mundo. É preciso entender que a SAFs também vão viver problemas que afetavam as associações. Essas SAFs tiveram um benefício que as associações não estão tendo que é não ter risco de ter conta bloqueada e receita penhorada por conta de dívidas antigas. Mesmo nesse cenario de privilégio, elas tiveram resultados muito ruins até agora e não se resume ao Coxa”, completa.
Pressa por SAF atrapalhou clube
Além da SAF alviverde, outas têm passado por dificuldades esportivas, como a do Vasco, do Cruzeiro, e até mesmo a do Bahia, que lutou para não cair em 2023, mas vive bom momento nesta temporada.
Todas elas passaram por processos rápidos de venda. Segundo o jornalista especializado em negócios do esporte, Erich Beting, a rapidez na venda prejudicou o Coxa.
“O grande problema que eu vejo é que o Coritiba pareceu apressado em resolver a SAF sem se preocupar se quem tivesse entrando teria um entendimento de como adotar um modelo dali para frente. Então muitas vezes o futebol no Brasil não está se preocupando em quem é o comprador. E nesse começo, em que são clubes com muita dificuldade financeira, geralmente vão ser compradores que não vão ter paciência para trabalhar, ou fôlego para quitar a dívida e evoluir o clube. Vamos ver muito esse problema. Principalmente porque se o clube está numa situação tão difícil, é melhor passar para frente do que tentar resolver com as pernas próprias”, explica.
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Beting ainda aponta um problema de entendimento sobre os papéis da SAF no início de trabalho em um clube.
“Geralmente existe uma expectativa criada pelo torcedor de que o clube vai ter performance esportiva a partir do momento que ele vira SAF. Isso é um problema causado pela mídia e até por quem compra o clube, que raramente tenta mostrar que é um caminho a ser reconstruído. É um grande erro de comunicação”, explica.
“E [a SAF] não está sabendo se comunicar com o torcedor do Coritiba porque a expectativa gerada é sempre da performance esportiva e não da reconstrução e criação de uma identidade. Se eu estivesse em uma cadeira de SAF, o que eu mais investiria seria nessa aproximação com o torcedor para ele se sentir acolhido porque o que menos dá para garantir é a performance esportiva para fazer o torcedor comprar a ideia da SAF”, completa.
Para Simões, a SAF é tratada por muitos clubes como a salvação, pela mudança da gestão por uma empresa com investidores, mas ele reitera que, na prática, o modelo em si não faz diferença.
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“O que faz diferença no futebol não é o formato jurídico. É uma gestão boa. E uma gestão boa se faz por pessoas, processos, projetos. E isso independe se é uma SAF ou associação civil. Se a gestão não funciona, não tem formato jurídico que salve”
SAF do Coritiba vive tensão com torcida
Nesta quinta-feira o CEO do Alviverde deu uma declaração afirmando que a pressão exercida pela torida coxa-branca pode afetar negativamente o desempenho do clube. A fala repercutiu negativamente entre os torcedores.
Antes, houve o episódio da faixa de protesto levada por torcedores ao Couto Pereira, no jogo contra o Sport, que foi retirada com violência pelos seguranças. A atitude foi reprovada pelos torcedores e a SAF se manifestou.
Carneiro é categórico ao afirmar que a reclamação de Amodeo não faz sentido diante de um esporte que envolve tantas emoções.
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“Se ele está criticando a torcida, é porque o investimento não é bom. Eles tinham que investir numa fábrica de tecidos, de automóvel, em soja, no agrenegócio. Porque aí não tem trocida. Agora, o futebol é isso, é paixão, mexe com o torcedor. Não estou entendendo a inteligência do negócio. Ainda ficam reclamando que há protesto, mas não sabiam que o futebol é assim? E não vai mudar”, critica.
Segundo Simões, é natural que nas SAFs exista uma desconexão entre a torcida, a história do clube e a empresa compradora. E no Coxa, segundo ele, a situação é mais complexa.
“Para ser bem sincero, poderia falar disso no Vasco, poderia falar disso no Botafogo, no Bahia, onde você tem proprietários alheios à realidade do clube que eles passaram a gerir. No Coritiba, eu tenho me pronunciado: não sei quem são as pessoas que controlam o clube hoje. Já busquei de muitas formas, não consigo saber quem são aspessoasqueestao dentro dofundo Treecorp e que definem os profissionais para gerir o clube”, afirma.
Nós sabemos de um antigo cartola do clube, o Malucelli, mas quantos outros? Como é a relação deles? Até que ponto eles de fato interferem naquilo ou a Treecorp é uma empresa totalmente autônoma da relação do Coritiba? É algo que a Treecorp vai carregar como assunto privado, mas o sócio do Coritiba tem direito a saber, afinal é parte da associação”, questiona.
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