Como seria o clube originado da fusão entre Athletico, Coritiba e Paraná Clube?
Não é ficção. Em 1995, dirigentes dos três clubes discutiram a ideia. Um projeto que pretendia reunir atleticanos, coxas-brancas e paranistas para forjar uma potência nacional.
Mais de duas décadas depois, você conhece os detalhes do plano que circula como lenda no futebol paranaense.
Índice
* Bastidores: por que unir forças?
* Nome, camisa, cores: tudo novo
* Coritiba rejeitou a fusão
* Só um na Engenheiro Rebouças
* Uma potência nacional?
* Histórico de fusões do futebol paranaense
*Reportagem publicada originalmente em 12/08/2020, na Gazeta do Povo.
Bastidores: por que unir forças?
O ano era 1995 e o Paraná Clube dominava o futebol estadual. Há quatro anos, o time da Vila Capanema vencia o Paranaense com assertividade. Na única temporada em que não levantou a taça, em 1992, ganhou a Série B e se colocou na elite do futebol nacional pela primeira vez.
Naquele ano, o Tricolor era o único paranaense no Brasileirão. Fora de campo, uma potência com sedes espalhadas por Curitiba e associados na casa dos 30 mil. Athletico e Coritiba militavam na Segundona e apresentavam graves problemas político-financeiros.
Sem título desde o início da década e com uma rotina de atrasos salariais, o Furacão estava mergulhado em uma crise institucional. A goleada por 5 a 1, sofrida no Atletiba de Páscoa, em abril, culminou em uma revolução interna.
O presidente, Hussein Zraik, deu lugar a Mario Celso Petraglia. O empresário assumiu ao lado de Ademir Adur e Ênio Fornea para começar um projeto do zero.
O Coxa também tinha seus percalços. Em junho, por exemplo, o elenco decidiu não concentrar para um jogo contra o Rio Branco, em Paranaguá. O motivo? O presidente, Evangelino da Costa Neves, descumpriu um acordo recém-fechado para deixar cargo.
A partir dali, o clube seria gerido pelo triunvirato composto pelos empresários Edison Mauad, Joel Malucelli e Sérgio Prosdócimo, grupo que havia prometido acertar as pendências com os jogadores. Os cheques, no entanto, seriam sustados caso o Chinês permanecesse. Ao fim, o histórico dirigente saiu de cena.
Foi nesse contexto, com a dupla Atletiba em baixa, que a ideia de fundir os três clubes surgiu.
“Claro que era praticamente impossível, mas a tentativa que eu via, e que me deslumbrava pela forma de enxergar o mundo dos negócios, era que não havia possibilidade de sobrevivência dos três em primeira grandeza”, conta Mario Celso Petraglia, presidente do Athletico ainda nos dias atuais.
“O Paraná era fortíssimo, dono de um patrimônio enorme. O Coritiba sempre foi maior que o Athletico, historicamente. Bem melhor administrado, tinha seu estádio, título brasileiro. Nós já vínhamos de uma fusão em 1924. Então, eu tentei. Sempre com essa visão de futuro, projetando cinco, dez anos na frente”, emenda Petraglia.
Entre as diretorias dos três clubes havia praticamente um consenso de que a fusão era o caminho a ser tomado. Houve reuniões para discutir o tema e alguns detalhes da operação foram debatidos.
“Fiz dois almoços em finais de semana seguidos lá no buffet Ilha do Mehl e negociamos. Discutimos cor de camisa, nome do time. Discutimos como iríamos fazer, vender aqui, construir ali”, recorda João Jacob Mehl, ex-presidente do Coritiba, à época diretor do departamento amador do clube.
“Não manteríamos cores e nomes de ninguém. Faríamos um clube único. O plano era concentrar o futebol em um time para que o estado fosse bem representado. Essas eram as premissas”, resume Ocimar Bolicenho, então presidente do Paraná.
Existia uma ideia central sobre como seria iniciada a estruturação da nova equipe.
“Faríamos uma arena multiuso na Baixada, mas apenas para outros esportes, shows, eventos. Usaríamos as sedes do Paraná como clube social e também para formação, na Vila Olímpica do Boqueirão. E teríamos o Couto Pereira como estádio”, destrincha Petraglia.
Não havia consenso sobre o nome do clube oriundo de Athletico, Coritiba e Paraná. Uma das sugestões foi Araucária – árvore símbolo do estado.
Quanto às cores, foi enfatizado que o importante seria apagar qualquer vestígio de vermelho, preto, azul, verde e branco.
“Naquela época tivemos uma Copa do Mundo e a Romênia jogou com um uniforme inteiro mostarda, sabe? A princípio, em uma conversa informal, essa seria a cor do time”, relembra Mehl.
“Cor? Eu falei para escolherem o que quisessem, desde que não relembrasse nenhum dos três. Perguntaram se poderia ser cor de rosa? Eu falei que podia, que estava cagando para a cor. No outro dia o jornalista Vinícius Coelho escreveu na Tribuna que a cor da loucura seria rosa”, rememora Petraglia.
Havia outra peculiaridade no projeto: jogar o Paulistão. Uma sacada estratégica, mas que batia de frente com o princípio de fortalecer o futebol do estado do Paraná.
“Falei com o Eduardo Farah [presidente da Federação Paulista de Futebol entre 1988 e 2003]. Curitiba está mais perto da capital de São Paulo do que Ribeirão Preto. Eu disse: fazemos um time só em Curitiba e vamos disputar o Paulista. Ele falou: está fechado, Mario, pode vir. Mas aí não quiseram, acharam loucura”, comenta Petraglia.
Coritiba rejeitou a fusão
Se havia alinhamento entre cartolas de Athletico, Coritiba e Paraná, o que matou a maior fusão do futebol paranaense?
“Quando se debateu isso, havia um consenso entre as diretorias de que Curitiba não tinha potencial para três clubes. Mas nos conselhos as coisas não andaram. Era problema de cor de camisa e nome do time”, avalia Joel Malucelli, presidente do Coxa entre 1996 e 1997.
A opinião contrária do Conselho Deliberativo alviverde foi a responsável por engavetar a ideia. Pesou a rivalidade com o Athletico.
“Não progrediu por picuinhas mesmo. Cor de camisa, mascote, hino. Coisas irrelevantes. Não foi nem por falta de vontade dos dirigentes, mas pela repercussão nas torcidas”, diz Ademir Adur, presidente do Athletico em 1997 e 2000.
Se dependesse do Paraná, segundo Bolicenho, a ideia seguiria.
“Nós saímos animados da reunião. Acho que o clube seria menos resistente à ideia. Mas sempre haveria alguma objeção, claro”, comenta.
“O Paraná era muito fraco politicamente, não tinha representatividade. E uma das razões era existir três clubes na capital dividindo as forças. A ideia era boa. A fusão do Paraná era recente, apenas cinco anos, e tinha dado certo. Poderia ser ainda melhor”, imagina Bolicenho.
Só um na Engenheiros Rebouças
Antes de tentar uma fusão a três, Petraglia via o Paraná como o parceiro ideal para juntar forças com o Athletico. As conversas com a diretoria paranista, aliás, alcançaram um estágio mais avançado.
O Furacão entraria com a força política e da torcida, somando ao robusto patrimônio e número de sócios do recém-criado Tricolor, mais o forte time da época.
Uma arena seria levantada na Baixada e um centro comercial erguido no espaço da Vila Capanema. O estádio Erton Coelho de Queiroz funcionaria como centro de treinamento e todas as sedes sociais seriam mantidas.
“Definimos que o nome seria Paraná Atlético Clube”, revela Aramis Tissot, primeiro presidente da história do Paraná Clube.
“Falamos até em cor de camisa. O Petraglia chegou a dizer bem assim: ‘pegamos todas as cores e batemos num liquidificador. A cor que sair vale’. Mandamos isso para frente e infelizmente nosso conselho barrou”, complementa Tissot.
Na versão de Petraglia, a negativa aconteceu por causa do então conselheiro Raul Trombini, já falecido. Em reunião na Revepar, revenda de carros do conselheiro Erondy Silvério, o plano da equipe com camisa roxa foi desmontado.
“Os Trombinis, que comandavam os colorados, os vermelhos, disseram que não queriam fazer a fusão. Que iriam nos incorporar, que o Athletico iria fechar as portas, quebrar, e que nossa torcida não iria torcer para o Coritiba. Que o caminho era o Paraná”, alega Petraglia.
“Depois de o Petraglia expor seu pensamento sobre a fusão, o Raul Trombini disse que não aceitava porque gostaria de continuar vendo jogos na Vila Capanema, com o Saulo balançando a rede no gol da concha acústica”, reforça Carneiro Neto, colunista do UmDois Esportes, que acompanhou a reunião como representante da torcida atleticana.
“Na saída, o Mario ainda me disse: Vamos fazer tudo sozinhos”.
Uma potência nacional?
E se a fusão entre Athletico, Coritiba e Paraná tivesse realmente saído do papel em 1995? Qual espaço esse novo time ocuparia no cenário atual do futebol brasileiro?
Para o jornalista Erich Beting, especialista em negócios do esporte, o resultado seria um time mais forte do que os atuais, sem a canibalização existente em um mercado local com mais de uma equipe.
“Com certeza seria um clube muito forte nacionalmente. Muito mais forte do que o Athletico, do que o Coritiba e do que foi o Paraná. E coloco como foi porque não tem como…”, argumenta.
No entanto, Beting aponta que apesar de concordar que a fusão seria uma maneira mais profissional para o fortalecimento de uma grande marca, o novo time correria risco de não ter uma torcida fiel.
“Teria sido mercadologicamente a melhor decisão. Mas, por característica do Brasil, seria muito difícil aceitar. Então teríamos um time muito forte, mas talvez sem identidade e sem torcida forte. Esse seria o segundo problema dessa história, criar o vínculo com a torcida vindo de origens tão diferentes”, opina.
O jornalista Rodrigo Capelo, do SporTV e ge.globo, entende que é tentador pensar em um cenário de fortalecimento. Mas poderia não acontecer.
“Precisamos lembrar que a principal fonte de renda dos clubes é o direito de televisão. Mas o fato de haver um clube único não iria fazer com que o direito aumentasse. Seria uma cota só”, pondera.
Petraglia diz não ter dúvidas sobre o sucesso da união de forças entre os rivais: “Fui até ridicularizado, gozado pela minha loucura, visão. Bom, daí seguimos a nossa vida e hoje, 25 anos depois, está aí a história para ser contada”.
Nesse período, o Athletico conquistou um título brasileiro (2001), venceu a Copa Sul-Americana (2018 e 2021) e Copa do Brasil (2019). Conseguiu ainda nove classificações para a Libertadores, competição da qual foi finalista em 2005 e 2022.
Em comparação, Coritiba e Paraná patinaram nacionalmente. O Coxa decidiu a Copa do Brasil duas vezes (2011 e 2012), batido por Vasco e Palmeiras, e alcançou uma classificação para a Libertadores (2004). O Tricolor frequentou a Libertadores uma vez (2007) e atualmente nem sequer tem divisão nacional.
“Poderíamos ser uma força futebolística muito grande, tranquilamente com 50 mil, 60 mil associados. Só o fato de não ter mais brigas de torcida já valeria à pena. Sou a favor da fusão até hoje”, exclama Tissot.
“Hoje a gente vê que na verdade ele [Petraglia] tinha razão, porque não cabem três time profissionais fortes na cidade”, opina Malucelli.
Histórico de fusões do futebol paranaense
No dicionário do futebol paranaense, a palavra fusão aparece com destaque. Em 1924, o Athletico surgiu como produto de América e Internacional, clubes fundados na década anterior.
Mas não para por aí. Em 1972, o time da Baixada poderia ter virado Clube Atlético Pinheiros. A alteração de nomenclatura, porém, frustrou a união.
“Os atleticanos não toparam por causa desse pormenor”, contou o então presidente dos azuis Antônio de Mello Pacheco à revista Placar, em 1988.
No ano seguinte, em 1989, Pinheiros e Colorado se fundiram para formar o Paraná Clube. A árvore genealógica tricolor, aliás, é extensa.
O lado vermelho é originário de Britânia, Ferroviário e Palestra Itália, enquanto o azul veio da reunião de Savóia e Água Verde.
Fundado em 1909, o Coritiba é exceção entre o trio da capital. O Alviverde nunca materializou uma fusão, embora os coxas-brancas também tenham estudado possibilidades. Apenas três anos depois do título brasileiro de 1985, falou-se na criação do Coritiba Pinheiros Futebol Clube.
A árvore seria incorporada ao tradicional escudo coxa-branca, mas o uniforme continuaria verde e branco.
“Não adianta nada acharmos que a coisa vai ser maravilhosa se a torcida não aceitar”, enfatizou, também à Placar, o então presidente Bayard Osna.