Maduro determinou, em reunião com seu governo, que inicie “imediatamente o debate na Assembleia Nacional e a aprovação da lei orgânica para a criação da Guiana Essequiba” como um estado venezuelano.
Ele também instou a empresa estatal de petróleo PDVSA a “criar a divisão PDVSA-Essequibo” e conceder “imediatamente” licenças operacionais para a exploração de petróleo, gás e minerais no Essequibo, controlado pela Guiana, mas reivindicado por Caracas.
Maduro ordenou ainda a criação de uma “zona de defesa integral da Guiana Essequiba” localizada em Tumeremo, no estado de Bolívar (sul), que faz fronteira com a área em disputa.
A sede político-administrativa do novo estado será instalada lá, com o “único responsável” sendo o general Alexis Rodríguez Cabello, conforme informado pelo presidente.
Além disso, ele solicitou a elaboração de um plano de “atenção social” para a população do Essequibo e a realização de um “censo e entrega de carteiras de identidade aos seus habitantes”.
Após os anúncios de Maduro, o presidente da Guiana, Irfaan Ali, se manifestou qualificando as ações da Venezuela como “ameaça direta”.
“Isso é uma ameaça direta à Guiana, sua integridade territorial, soberania e independência política. E uma violação de princípios fundamentais do direito internacional”, afirmou.
“Não permitiremos que nosso território seja violado, ou que o desenvolvimento de nosso país seja atrapalhando por essa ameaça desesperada”, acrescentou.
A tensão
A intervenção de Maduro ocorre após seu governo realizar um referendo no domingo, no qual a população expressou ampla maioria em apoio à soberania venezuelana sobre um território de 160.000 km² a oeste do rio Essequibo, no norte da América do Sul.
O Essequibo abriga seis das dez regiões que compõem a República Cooperativa de Guiana, além de 125 mil dos seus 800 mil habitantes.
Embora ambos os países disputem a região há mais de um século, as tensões aumentaram há quase dez anos, quando grandes depósitos de petróleo foram descobertos na área.
A celebração do referendo venezuelano causou preocupação na Guiana, cujo governo não acredita que a Venezuela esteja tentando tomar o território pela força, mas também não descarta essa possibilidade e permanece “vigilante”.
O Procurador-Geral da Guiana, Anil Nandlall, declarou à agência AFP que buscará ajuda no Conselho de Segurança da ONU se a Venezuela tomar alguma medida após o referendo, algo que já tentou evitar sem sucesso com um pedido urgente à Corte Internacional de Justiça em Haia.
Ele especificou que, se necessário, invocaria os artigos 41 e 42 da Carta da ONU, que podem autorizar sanções ou ações militares dos Estados membros para manter ou restaurar a paz e a segurança internacionais.
A natureza da disputa
Há décadas, a Venezuela considera o Essequibo, também conhecido como Guiana Essequiba, como uma “zona em disputa” e costuma marcá-la em seus mapas com um traço.
Há um litígio em curso entre os dois países na Corte Internacional de Justiça (CIJ) em Haia para definir as fronteiras bilaterais naquela região.
Guiana, uma antiga colônia britânica e holandesa, insiste que as fronteiras foram estabelecidas por um painel de arbitragem em 1899.
No entanto, a Venezuela não reconhece a jurisdição da CIJ no assunto e afirma que o rio Essequibo, a leste do país, forma uma fronteira natural historicamente reconhecida.
A disputa se intensificou desde que a ExxonMobil descobriu petróleo no Essequibo em 2015.
Caracas convocou o referendo depois que o governo de Georgetown começou a leiloar blocos de petróleo na região em agosto.
A Guiana declarou que manterá a cooperação em defesa com os Estados Unidos e outros parceiros estratégicos, além de continuar os esforços diplomáticos para persuadir a Venezuela a permitir que a CIJ (Corte Internacional de Justiça) tome a decisão final.
“Já deixamos claro que acataremos a decisão do tribunal”, afirmou o governo da Guiana. Anteriormente, Guiana solicitou à CIJ que bloqueasse a votação.
Embora a Corte tenha instado Caracas a não tomar medida que pudesse afetar o território em disputa, ela também não atendeu ao pedido de intervenção urgente de Georgetown para interromper o referendo.
Como ocorreu o referendo
Os eleitores venezuelanos foram consultados sobre cinco perguntas no referendo, incluindo se a Venezuela deveria ou não rejeitar a decisão de arbitragem de 1899 e a jurisdição da CIJ.
Eles também foram questionados sobre se a cidadania venezuelana deveria ser concedida ou não ao povo (atualmente guianense) do novo “Estado da Guiana Essequiba”.
O governo de Maduro lançou uma campanha massiva para que os venezuelanos votassem a favor, sem que houvesse qualquer iniciativa contra a medida.
Participaram mais de metade dos 20,7 milhões de eleitores, segundo o presidente do Conselho Nacional Eleitoral, Elvis Amoroso, tentando dissipar as dúvidas sobre o nível de participação.
O resultado inicial foi questionado por políticos e analistas da oposição, que alertaram para a possibilidade de que as respostas dos votantes a cada uma das cinco perguntas do referendo fossem contadas como votos separados.
A baixa presença nas seções eleitorais de Caracas e outras cidades alimentou as incertezas.
A cifra de 10,5 milhões anunciada por Amoroso, acompanhado por Maduro, representa a participação mais alta já registrada em uma eleição venezuelana. O presidente afirmou que foi uma “vitória esmagadora”.
“Demos os primeiros passos para uma nova etapa histórica na luta pelo que nos pertence, por recuperar o que os libertadores nos deixaram”, declarou.