Um dos mediadores das negociações entre Venezuela e Guiana, o Brasil foi o “motor principal” para facilitar os diálogos sobre disputa no território fronteiriço de Essequibo e o país se envolveu no momento mais delicado da controvérsia. Essa é a opinião de Elias Jaua, vice-presidente da Venezuela durante o segundo governo de Hugo Chávez e ex-chanceler do atual presidente, Nicolás Maduro.
Longe da administração pública desde 2018, Jaua conversou com o Brasil de Fato sobre a mais recente escalada de tensão na política externa venezuelana. A disputa pelo território na fronteira que possui 160 mil km² e enormes reservas de petróleo vem desde o século 19, mas ganhou contornos mais preocupantes após o início da exploração petroleira pela empresa estadunidense Exxon Mobil na região.
O ex-vice-presidente criticou a postura de Georgetown e os laços com a empresa norte-americana, dizendo que “o governo guianês é muito irresponsável ao outorgar concessões a transnacionais para explorarem áreas que não estão delimitadas”. Além disso, classificou como preocupantes os exercícios militares realizados pelos EUA no Essequibo.
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Jaua destacou que o Brasil se ofereceu para mediar as conversas em um momento delicado, quando “a Guiana tinha adotado como resposta uma tentativa de escalada militar, anunciando manobras militares em conjunto com o Comando Sul”.
“Nesse preciso momento entrou em jogo o papel do presidente Lula, sempre oportuno, sempre apontando para a integração e a paz entre os povos da América Latina e do Caribe. Ele foi o motor principal para facilitar a reunião que aconteceu em São Vicente e Granadinas”, afirmou.
Mesmo assim, Jaua não descarta possíveis cooperações com o país vizinho em termos energéticos e lembra do programa Petrocaribe criado por Chávez.
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“A inovação que nos deixou Chávez sobre o Essequibo foi a incorporação da Guiana ao Petrocaribe, que no princípio era um acordo de distribuição de petróleo da Venezuela aos países do Caribe, mas poderia terminar em um desenvolvimento conjunto, não somente em matéria petroleira, mas também em projetos agrícolas, minerais, sustentáveis, respeitando o ambiente”, afirmou.
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato: Você foi vice-presidente de Hugo Chávez e também chanceler do presidente Nicolás Maduro. Quais foram as principais mudanças na maneira de agir sobre a questão do Essequibo entre esses dois governos?
Elias Jaua: Acredito que, na verdade, existe uma linha de continuidade que, inclusive, vai muito além dos dois períodos. A Venezuela teve uma política de Estado de reivindicação do território do Essequibo, que nos foi roubado em um tribunal inválido.
É importante que todos saibam, foi um tribunal no qual a Inglaterra era juiz e parte interessada, porque dois dos juízes eram ingleses e a Venezuela não teve representação própria, foi representada pelos Estados Unidos. Para que as pessoas tenham uma ideia, ali foram ignorados todos os elementos históricos e cartográficos que foram apresentados nessa ocasião, em 1899. A cartografia da colônia espanhola de 1777 e a cartografia da República da Venezuela de 1811.
A partir do momento em que se aceita a reivindicação venezuelana e se constitui um acordo de direito internacional, que é o Acordo de Genebra de 1966, a política do Estado venezuelano – claro, com mais ou menos ênfase – foi buscar uma solução entre as duas partes, um acordo entre os dois governos que permita, como previsto no Acordo de Genebra, uma solução pacífica e satisfatória para as duas partes.
Essa tem sido a linha do Estado venezuelano durante o regime anterior, chamado de Quarta República, durante o governo revolucionário do comandante Hugo Chávez e agora durante o governo do presidente Nicolás Maduro. O que mudou foi a atitude da Guiana.
O encontro entre os presidentes Maduro e Irfaan Ali parece ter arrefecido as tensões, mas as posições não mudaram muito. A Guiana continua defendendo as concessões à Exxon Mobil e o tema petroleiro se tornou central. É possível encontrar um consenso nessa área?
Lamentavelmente, eu acredito que o governo da Guiana, alentado pelas transnacionais petroleiras, vai continuar ou tentar continuar sua política de exploração em águas não delimitadas, que estão dentro da projeção do território em reclamação. Além disso, é bom que saibam, que não é somente em águas não delimitadas produto da reivindicação legal e reconhecida pelas Nações Unidas da Venezuela, mas as reservas petroleiras não respeitam fronteiras.
A maior reserva sobre a qual a Guiana está dando concessões para sua exploração implicaria extrações no leito marinho venezuelano, de seus recursos de combustíveis, tanto petróleo como gás. Digo isso para entendermos a gravidade do assunto. A reivindicação venezuelana não é um capricho e não é uma tentativa de impedir um desenvolvimento da Guiana, porque a Guiana pode se desenvolver no território que historicamente lhe pertence, que foi o que os ingleses compraram dos holandeses em 1814. Efetivamente, o Acordo de Genebra prevê que, enquanto a controvérsia não se resolva, ambas nações podem acordar uma exploração conjunta dos recursos existentes do território em reclamação.
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É possível um acordo petroleiro entre Venezuela e Guiana?
Claro. A inovação que nos deixou o comandante Hugo Chávez sobre o tema do Essequibo foi a incorporação da Guiana ao programa Petrocaribe, que no princípio era um acordo de distribuição de petróleo da Venezuela aos países do Caribe, mas em perspectiva poderia terminar em um desenvolvimento conjunto, não somente em matéria petroleira, mas também em projetos agrícolas, projetos de minerais, sustentáveis, respeitando o ambiente.
Porque a forma como a Guiana está fazendo as explorações de minerais em territórios florestais são altamente agressivas ao ambiente, sem nenhum tipo de respeito ao ambiente. Em relação ao tema marítimo, que agora é o mais sensível porque é onde encontraram as grandes reservas de combustíveis, a Guiana não tem que apenas resolver problemas conosco, ela tem que resolver problemas com Trinidad e Tobago, com Suriname.
Então o governo da Guiana é muito irresponsável ao outorgar concessões a transnacionais para explorarem áreas que não estão delimitadas e que não são parte de suas fronteiras internas.
O Brasil foi mediador das conversas entre Venezuela e Guiana e a próxima reunião ocorrerá em território brasileiro. Quais são as implicações políticas para o Brasil caso a disputa volte a se acirrar?
Eu acredito que a atuação do presidente Lula tem sido oportuna, porque diante da reivindicação e da mobilização da população venezuelana em torno desse tema a Guiana tinha adotado como resposta uma tentativa de escalada militar, anunciando manobras militares em conjunto com o Comando Sul, inclusive operações aéreas sobre o território.
Nesse preciso momento entrou em jogo o papel do presidente Lula, sempre oportuno, sempre apontando para a integração e a paz entre os povos da América Latina e do Caribe. Ele foi o motor principal para facilitar a reunião que aconteceu em São Vicente e Granadinas e também temos que frisar a disposição das atuais autoridades da Caricom para facilitar essa reunião e conter essa escalada bélica que o Comando Sul e o governo da Guiana pretendiam fazer no território da saída atlântica da Venezuela.
De que forma o Brasil pode conter essa pretensão de militarizar o enclave do Essequibo por parte da Guiana e do Comando Sul?
Com diplomacia, claro. O governo da Venezuela está apostando na diplomacia. A Venezuela nunca viu, em seus governos, a opção militar como viável para recuperar o território do Essequibo, porque nós estamos apegados ao que diz o Acordo de Genebra, somos defensores do acordo.
Quem rompeu o acordo e se colocou à margem dele foi o atual governo da Guiana. O Acordo de Genebra diz precisamente que é preciso encontrar uma solução pacífica, negociada e satisfatória para ambas as partes. Essa é a posição da Venezuela, apegada a um instrumento do direito internacional assinado em 1966 pelo Reino Unido, pelas autoridades coloniais de Guiana, pela Venezuela e com o aval das Nações Unidas.
A presença do Comando Sul na Guiana representa um risco para toda a América Latina e o Caribe. Sinceramente, é algo insólito que os Estados Unidos estejam pensando em gerar ameaças militares no Caribe e no trecho latino-americano do oceano Atlântico. Por isso, o papel do Brasil foi e segue sendo fundamental para evitar operações que, sem dúvida alguma, estão ocorrendo de maneira perigosa na fronteira norte do Brasil.
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Você disse que um acordo petroleiro poderia estar na agenda da Venezuela e da Guiana. Seria possível um apoio brasileiro nesse setor através de empresas públicas ou privadas?
Eu não me atreveria a opinar sobre essa questão porque, como você sabe, atualmente não estou no governo. Quando falo em acordos, falo sobre algo que já foi feito nos marcos do programa Petrocaribe, que efetivamente implicava a comercialização e distribuição conjunta em condições de pagamentos preferenciais e a possibilidade do desenvolvimento conjunto em muitas áreas econômicas, como a área de combustíveis, de turismo e agricultura.
Foi talvez o projeto mais avançado de integração do Caribe, sob a liderança do comandante Hugo Chávez. Atualmente, não sei qual é a posição do nosso governo a respeito de possíveis parcerias ou associações com outros países para explorar os recursos no Essequibo.
De todo modo, enquanto não se resolva a controvérsia, tudo deve ser feito de mútuo acordo e isso é um elemento básico do Acordo de Genebra. Tudo o que se decida deve ser feito de mútuo acordo entre os dois governos, incluindo os mecanismos usados para resolver o problema.
Aí está outra falta cometida pela Guiana: ir à Corte Internacional de Justiça sem que a Venezuela estivesse de acordo, porque tem sido uma política do Estado venezuelano há mais de 60 anos não considerar a jurisdição internacional como um mecanismo para resolver o tema do Essequibo. Isso porque foi em um tribunal internacional onde nos roubaram e isso marcou uma postura de princípios do Estado venezuelano de não voltar a um tribunal para resolver algo que um tribunal nos roubou.
Edição: Rodrigo Durão Coelho