Milton Nienov estava de férias em Florianópolis quando recebeu uma ligação de Muricy Ramalho. Eram meados de janeiro de 2009. Muricy, com quem Milton havia trabalhado no Figueirense, propôs um desafio: ficou sabendo que um clube sul-africano estava procurando um treinador de goleiros, e queria o indicar. Milton aceitou, e há quase uma década e meia o brasileiro ajuda a formar goleiros no continente africano.
Quando se mudou para a África do Sul, Milton não tinha noção do desafio que o esperava. Não falava inglês, e nem tinha muitas informações prévias sobre a estrutura do clube, o Free State Stars, e nem da qualidade dos goleiros.
“Achei que teria bastante dificuldade, pelo fato de não saber nada de inglês, não ter muita informação sobre o campeonato, nível dos atletas e infraestrutura dos clubes. Mas para minha alegria, encontrei um auxiliar técnico de Moçambique, que trabalhava no clube há muitos anos. Me ajudou muito em termos de comunicação com o pessoal lá. Todos os clubes lá também tinham uma organização boa, estruturas convincentes para fazer o trabalho que eu achava que poderia fazer lá”, recordou Milton em conversa com a reportagem de oGol.
qQuando os clubes não têm estrutura de campo, de material esportivo, alimentação, de contratação de profissionais qualificados para treiná-los, fica mais complicado
Em seus primeiros meses, Milton foi responsável pela formação de um dos maiores goleiros da história do país, Kennedy Mweene, que então estava começando a carreira.
“O nível dos goleiros que encontrei lá era uma situação que me deixava preocupado. Eu vi que o potencial deles era grande, mas que eles não tinham base. Os atletas, na maioria dos países (africanos), não tem uma base muito boa, então são jogados no profissional com muitos problemas técnicos. Mas com a dedicação deles e minha vontade de fazer eles evoluírem, foi uma alegria saber que, depois de três meses, meu goleiro (Kennedy) foi considerado o melhor do campeonato. Isso foi importante para mim”, revelou Milton.
Kennedy Mweene, hoje, é oito vezes campeão nacional, uma vez campeão continental de clubes e uma campeão da Copa Africana de Nações. O goleiro se tornou uma lenda da seleção sul-africana, com mais de 100 jogos pela seleção nacional, e do Sundowns, soberano no futebol local.
A formação de goleiros na África
Já quando chegou na África do Sul, Milton revelou ter que mudar a metodologia de trabalho para se adaptar a uma escola de goleiros ainda muito carente de qualidade, seja humana, estrutural ou técnica.
“No Brasil, praticamente todos os clubes têm uma organização boa nas categorias de base. Os goleiros, quando chegam no profissional, já estão praticamente prontos para poder jogar no profissional. No continente Africano, não há essa base. Os goleiros não têm a mesma altura, a maioria dos goleiros africanos são mais baixos. Não tendo uma base muito boa, fica complicado. Então você tem que trabalhar no profissional corrigindo muita coisa, ensinando muita coisa, já preparando para o jogo do meio de semana, do fim de semana. A base deles é muito inferior”, analisou.
@Divulgao
Milton Nienov reforçou que a carência na formação de jogadores na base impacta ainda mais os goleiros, “porque eles têm de aprender muito mais detalhes em relação aos atletas de linha. São diversas situações a serem aprendidas e treinadas. Por isso, o treino de goleiros dura mais”.
“Os goleiros não têm tanto destaque na África para serem contratados por clubes grandes da Europa. A estatura deles não é tão alta, e o goleiro necessita trabalhar muito mais detalhes na base. Os goleiros da África não tendo essa base, não chegam preparados no profissional. No Brasil, os goleiros já trabalham muito bem desde muito cedo”, completou.
Além da África do Sul, Milton Nienov trabalhou na Tanzânia (Simba e Young Africans), e atualmente está na seleção de Botsuana. Apesar de alguma vantagem estrutural do futebol sul-africano, o brasileiro vê os mesmos problemas na formação de goleiros africanos nos três países, e analisando o continente como um todo.
“O maior problema é a situação financeira dos países, da maioria dos países africanos, e a situação financeira dos clubes, que não têm uma infraestrutura ideal para fazer os atletas crescerem desde novos, até chegarem ao profissional prontos. Quando os clubes não têm estrutura de campo, de material esportivo, alimentação, de contratação de profissionais qualificados para treiná-los, fica mais complicado. Por isso, essa defasagem é muito grande com relação a outros continentes”, refletiu.
Hoje referência na formação de goleiros na África, Milton Nienov completou todas as licenças da CBF Academy e almeja, no futuro, iniciar um trabalho como técnico.