Após um ano na Rússia, o zagueiro Robert Renan volta ao futebol brasileiro. Por empréstimo até o fim de ano, o defensor de 20 anos, que pertence ao Zenit São Petersburgo, vai jogar no Internacional.
Além do Inter, Robert Renan despertava o interesse do Corinthians para 2024. Clube que o revelou, o Timão, que perdeu dois zagueiros importantes do elenco para este ano — Gil e Bruno Méndez — parecia ser o destino favorito do jovem zagueiro. As circunstâncias do negócio, porém, não agradaram em nada ao Timão.
Ele (Robert Renan) está sendo vendido para um clube da Inglaterra, só que eles (ingleses) não compram direto do Zenit por causa da guerra (na Ucrânia, que perdura desde fevereiro de 2022)
Rubens Gomes, o Rubão, diretor do Corinthians, em entrevista à Rádio Guaíba, do Rio Grande do Sul, em 1º de janeiro
“Ponte” para a Europa
Segundo Rubão, o negócio funcionaria da seguinte maneira: Robert Renan viria para o Corinthians por seis meses, até abrir a janela de transferências do meio de ano, a principal do mercado da bola na Europa, e, depois, seria transferido para a Inglaterra, a um clube não revelado.
O que parece ser um empréstimo normal, porém, não funcionaria bem assim: ao invés de os ingleses pagarem ao Zenit por Robert Renan, o dinheiro iria, na verdade, para o Corinthians — e, então, o clube paulista transferiria os valores ao clube russo.
“O que o Corinthians ganha com isso? Nada”, afirmou Rubão, destacando que o clube, que desejava contar com a revelação apenas se fosse por um ano inteiro, teria ainda que arcar com os salários do zagueiro no período.
“Não tem condições. É uma coisa sem pé, nem cabeça”, acrescentou.
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Possível drible nas sanções à Rússia
As peculiaridades do que seria o contrato entre Corinthians, Zenit e o desconhecido clube inglês poderiam estar servindo para os ingleses driblarem sanções aplicadas pelo Reino Unido e as fortes restrições das entidades que controlam o futebol inglês — neste caso em especial, a Premier League — contra a Rússia pela invasão à Ucrânia.
Logo depois do início da guerra, a União Europeia (UE) e países como os Estados Unidos e o Reino Unido estabeleceram uma série de sanções contra a Rússia, mirando políticos, bancos, estatais, empresários ligados ao governo de Vladimir Putin, entre outras pessoas e instituições.
Clubes russos estão suspensos de competições
O mundo do futebol também se mobilizou contra a Rússia após a invasão. Na mais forte das medidas, em anúncio conjunto, a União das Federações Europeias de Futebol (Uefa) e a Federação Internacional de Associações de Futebol (Fifa) suspenderam clubes e seleções russas de suas competições.
Na Inglaterra, a Premier League e a EFL — que gere da segunda até a quarta divisão do futebol local — suspenderam contratos de transmissão que tinham com veículos de mídia da Rússia. Já o governo britânico estabeleceu sanções contra o bilionário Roman Abramovich, que teve que vender o Chelsea, clube do qual era dono desde 2003.
De lá para cá, nenhum contrato de compra e venda de jogadores entre clubes ingleses e russos foi firmado. Assim, congelaram-se as relações que em outros tempos levaram à Premier League o meia brasileiro Willian — do Anzhi para o Chelsea, em 2013 —, o atacante Andrey Arshakvin — do Zenit para o Arsenal, em 2009 —, entre outros.
Caso Chelsea-Zakharyan
Mas não que os endinheirados clubes da Premier League não seguissem de olho na Rússia: em 2022, o Chelsea demonstrou interesse em contratar o jovem meia russo Arsen Zakharyan, na época no Dínamo de Moscou. O caso dele ajuda a entender as dificuldades de uma transação direta entre Zenit e o futebol inglês por Robert Renan.
Eleito pela federação russa como o melhor jogador jovem do futebol local em 2022, Zakharyan era alvo de interesse do Chelsea para a temporada 2022-23. Os Blues e o Dínamo abriram negociações, mas o negócio melou — e as sanções britânicas contra a Rússia seriam o motivo que teriam afundado o acordo.
Em nota publicada na época, o Dínamo de Moscou disse que negociou “intensamente” com o Chelsea “durante vários dias” para selar a transferência do jovem meia, mas, “por uma série de razões técnicas” que fugiam do controle do clube, não havia sido possível selar o negócio.
Entrave entre bancos
Dias depois, falando ao site russo “Sport-Express”, a empresária brasileira Rafaela Pimenta, que cuida da carreira de Zakharyan, disse que continuaria “trabalhando para garantir que o Dínamo pudesse receber dinheiro do Chelsea”, apontando as sanções como um entrave e sinalizando que tentaria selar a negócio na janela seguinte.
Bancos russos foram banidos do sistema global de pagamentos Swift, o que dificulta transferências de e para estas instituições, um entrave para a transação de jogadores. Além disso, o banco estatal VTB, proprietário do Dínamo, sofreu sanções do Reino Unido, como congelamento de ativos, segundo lista do escritório de advocacia Ashurst.
Zenit é controlado por estatal russa
No caso do Zenit de Robert Renan, pesa contra o clube o fato de executivos da estatal russa de energia Gazprom, que é proprietária do Zenit, terem tido ativos congelados no Reino Unido. Medidas do tipo também foram aplicadas contra o banco privado ligado à companhia, o Gazprombank.
No começo de 2023, novas notícias tratando da persistência do Chelsea em adquirir Zakharyan voltaram a pipocar na mídia inglesa — mas o negócio, novamente, não vingou. No meio deste ano, o site “90min” reportou que os Blues estavam tentando um plano B para finalmente trazer o jovem: recorrer a um clube intermediário.
Semelhanças entres os casos
O negócio rolaria de maneira semelhante ao que, segundo Rubão, ocorreria com Robert Renan e o Corinthians: Zakharyan seria contratado pelo Strasbourg, clube francês cujos atuais donos do Chelsea também controlam. Posteriormente, em outra janela, o jovem meia se transferiria para Londres, em uma tentativa de driblar as sanções britânicas.
Tamanha insistência, porém, não rendeu retornos ao Chelsea: no meio deste ano, o jovem se transferiu para a Real Sociedad. Na Espanha, Zakharyan é um dos reservas com mais minutos em campo, se tornando um 12º jogador importante para o clube, que avançou para as oitavas de final da Champions League.
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O caso Sánchez-Spartak
A última melada nas negociações entre Dínamo e Chelsea ocorreu na mesma janela em que outra possível transferência esbarrou nas sanções contra a Rússia: a do zagueiro colombiano Davinson Sánchez, cujo clube ao qual pertencia, o Tottenham, teria um acerto encaminhado para transferir o defensor para o Spartak Moscou.
Porém, segundo o jornal britânico “The Guardian”, ao tomar conhecimento das negociações, a Premier League decidiu alertar os seus clubes, desencorajando-os a fecharem negócio com o futebol russo devido à possibilidade de infringirem sanções. No final da janela, Sánchez acabou fechando com o turco Galatasaray.
Transação citada como “violação”
Neste mês, o site de jornalismo investigativo “Follow the Money” publicou uma reportagem apontando que quase 30 clubes europeus de países vinculados à União Europeia (UE) poderiam estar violando sanções do bloco contra a Rússia em negociações no mercado da bola. O Reino Unido já pertenceu à UE, mas deixou a união em 2020.
A transação de Zakharyan para a Real Sociedad é citada na reportagem. “Usamos um banco espanhol (para comprar o jogador), eles verificaram (se havia sanções) e não encontraram nada de errado”, disse um representante não identificado do clube ao site.
Inter não deu detalhes do negócio
Nem o Internacional, nem o Zenit deram mais detalhes de como será o contrato de empréstimo de Robert Renan — leia-se: se há algum acordo posterior já acertado, se o Colorado vai receber alguma taxa de vitrine em uma futura negociação, se o clube gaúcho pode ser um intermediador em alguma venda etc.
A CNN procurou a Elenko Sports, agência que cuida da carreira de Robert Renan, para saber mais detalhes do negócio com o Internacional e se as circunstâncias descritas por Rubão batem com as condições apresentadas para o Corinthians. Até o momento, não houve retorno. O espaço segue aberto.
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