Morreu no sábado, aos 80 anos, Edemar Cid Ferreira, fundador do Banco Santos, que quebrou há duas décadas, e um dos maiores colecionadores de obras de arte do Brasil.
Formado em economia, começou a trabalhar no setor financeiro na década de 1960 e criou uma corretora de câmbio e valores mobiliários em Santos (SP), que chegou a ser uma das maiores negociadoras de café. Essa foi a origem do que se tornaria depois um dos maiores bancos do país.
O Banco Central (BC) iniciou a intervenção no Banco Santos em 2004, quando encontrou um rombo de R$ 2,2 bilhões na instituição. O banqueiro foi preso por gestão fraudulenta em 2006 e chegou a ser condenado a 21 anos, obtendo o direito de responder em liberdade. A decisão foi posteriormente anulada.
Até o início dos anos 2000, porém, o Banco Santos chegou a figurar entre os maiores do Brasil, e Ferreira se tornou um dos banqueiros mais ricos do país.
Sua famosa mansão, no Morumbi, em São Paulo, tem a grife do arquiteto Ruy Ohtake e foi arrematada em leilão há quatro anos por Janguiê Diniz, fundador da Ser Educacional. Os R$ 27,5 milhões arrecadados pela casa foram destinados ao pagamento de credores.
- Entenda o que aconteceu com o Banco Santos
Antes da ruína, Cid Ferreira foi um grande colecionador de arte, com obras de artistas como Brecheret, Tarsila do Amaral, Frans Krajcberg, Bruno Giorgi, Franz Weissmann, Jean-Michel Basquiat, entre outros. Em 2016, foi realizado um leilão com 719 obras pertencentes ao banqueiro, também para pagar credores.
Cid Ferreira deixa a esposa, Márcia, e três filhos: Rodrigo, Eduardo e Leonardo. Segundo fontes próximas ao ex-banqueiro, nenhum dos três filhos era muito próximo dos negócios do pai e não está claro agora como ficarão os vários processos que ele movia contra a administração da massa falida do Banco Santos. Rodrigo, que era diretor do banco na época do escândalo, também chegou a ser preso. Leonardo foi casado com Rebeca Abravanel, filha de Silvio Santos, e chegou a trabalhar no Santos, mas depois da liquidação da instituição mudou de ramo.
Lúcido até o dia de sua morte, Cid Ferreira passou os últimos anos tentando provar sua tese de que o banco era economicamente viável e só quebrou devido à intervenção do BC. Com todos seus bens indisponíveis, nos últimos anos ele vivia com a ajuda dos filhos. Em entrevista ao “Estadão” no ano passado, contou viver de maneira espartana em um apartamento de 300 metros quadrados. Tinha hábitos saudáveis, praticava exercícios e gostava de passar tempo com os netos. Aos fins de semana, continuava frequentando museus e exposições, nunca tendo abandonado o gosto pelas artes.
“Ele se dedicava 24 horas por dia a isso, não fazia outra coisa da vida a não ser lutar nesses processo, juntar documentos. Mais do que o dinheiro, ele queria resolver o assunto, dizia que depois não voltaria a ser banqueiro, que não queria mais nem administrar um carrinho de picolé”, afirma o advogado Carlos Chagas, que conheceu Cid Ferreira em 2013, quando foi indicado como administrador da liquidação de uma das seguradoras do banqueiro. “A lei diz que o ex-controlador tem o direito de fiscalizar os atos da massa falida, e ele cumpria esse papel com toda dedicação. Toda história tem vários lados, e ele era muito discplicinado, tinha um compromisso muito grande com a verdade”, comenta um assessor próximo.
No mês passado, Cid Ferreira se manifestou contra um acordo feito entre a massa falida e a família Veríssimo, que é dona do shopping Eldorado. “O acordo negociado entre a massa falida e o Grupo Veríssimo no valor de R$ 120 milhões é ilícito e resulta em um abatimento indevido de 95% sobre o valor total da dívida”, disse a defesa do ex-banqueiro. “Ainda que seja homologado, tal ato não é terminativo, dado que iremos recorrer ao Tribunal de Justiça de São Paulo e ao Superior Tribunal de Justiça pleiteando anulação do acerto.”
O ex-banqueiro chegou a São Paulo em meados da década de 1960 e iniciou sua carreira no mercado financeiro como funcionário do Banco do Brasil (BB). Economista formado pelo Mackenzie, deixou o BB em pouco anos e fundou a Santos Corretora, em homenagem à cidade onde nasceu, no litoral paulista. Seu pai, Eduardo Ferreira, foi gerente da Lloyd’s, corretora de seguros e navios em Santos. Em entrevistas após a prisão, sempre insistiu que nunca houve má-fé e culpava a intervenção do BC. Em novembro de 2004, o BC decretou intervenção na instituição, que era então a 22 maior do país em ativos. Desde outubro daquele ano, rumores sobre a insolvência do banco vinham provocando ondas de saques dos correntistas.
“Para mim, a intervenção foi algo pessoal. Eu estava incomodando. Foi uma bobagem o que fizeram, vai ser provado o contrário. Nunca saiu dinheiro nenhum do banco que tenha ido para o exterior e voltado como acusaram”, disse em uma entrevista para a revista “IstoÉ” em 2011. Questionado sobre seus erros, admitiu que o banco cresceu rápido demais. “Não sou ganancioso. Tive, sim, compulsão em realizar. Quando se está dentro de um processo de realizações, você não mede muito o que vai deixando pelo caminho, vai atropelando pessoas.”