O deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo de Jair Bolsonaro, foi alvo de uma operação da Polícia Federal (PF) nesta quinta-feira (25/01) que investiga possível atuação ilegal do órgão durante seu comando.
Ramagem é forte aliado da família Bolsonaro, sendo cotado para disputar neste ano a eleição para prefeito do Rio de Janeiro, berço político do ex-presidente.
Ele se tornou próximo do clã político na campanha de 2018, quando foi destacado pela PF para coordenar a segurança do então candidato após ele ter sido alvo de uma facada em setembro daquele ano e quase morrer.
Em 2020, quando o hoje senador Sergio Moro (União-PR) deixou o Ministério da Justiça acusando Bolsonaro de tentar interferir na PF, o ex-presidente quis colocar Ramagem como diretor do órgão, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) barrou a nomeação devido à proximidade pessoal de ambos.
Agora, Ramagem é suspeito de ter usado a Abin em favor de interesses da família Bolsonaro.
A BBC News Brasil procurou o deputado Ramagem por meio de seu gabinete, mas ainda não havia manifestação do parlamentar sobre a ação da PF.
Segundo decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes autorizando a operação desta quinta-feira, “os policiais federais destacados, sob a direção de ALEXANDRE RAMAGEM, utilizaram das ferramentas e serviços da ABIN para serviços e contrainteligência ilícitos e para interferir em diversas investigações da Polícia Federal, como por exemplo, para tentar fazer prova a favor de RENAN BOLSONARO, filho do então Presidente JAIR BOLSONARO”.
Em inquérito já arquivado, Renan era suspeito de cometer tráfico de influência ao ter, supostamente, intermediado reuniões entre empresários e integrantes do governo Bolsonaro. Foi nesse caso que a Abin teria atuado em seu favor.
A decisão cita também suposta atuação da Abin com a produção de relatórios de inteligência para ajudar a defesa do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho mais velho do ex-presidente, na investigação por um suposto esquema de rachadinha (desvio de salário de funcionários) em seu antigo gabinete de deputado estadual no Rio de Janeiro.
O caso depois foi paralisado por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que anularam provas obtidas.
A BBC News Brasil tentou obter um posicionamento de Jair Bolsonaro e de seu filho Renan por meio de Fabio Wajngarten, secretário de Comunicação do governo anterior, mas não obteve retorno.
Já Flávio Bolsonaro se manifestou, por meio de sua assessoria, negando qualquer uso da Abin para protegê-lo.
“É mentira que a Abin tenha me favorecido de alguma forma, em qualquer situação, durante meus 42 anos de vida. Isso é um completo absurdo e mais uma tentativa de criar falsas narrativas para atacar o sobrenome Bolsonaro”, disse o senador em nota.
“Minha vida foi virada do avesso por quase cinco anos e nada foi encontrado, sendo a investigação arquivada pelos tribunais superiores com teses tão somente jurídicas, conforme amplamente divulgado pela grande mídia”, disse ainda.
Ainda segundo a decisão de Moraes, a investigação apura se o sistema de inteligência First Mile teria sido usado pela Abin para monitorar dispositivos móveis de adversários políticos de Bolsonaro, sem prévia autorização judicial e sem a necessidade de interferência ou ciência das operadoras de telefonia.
“A Polícia Federal indica, também, que os investigados, sob as ordens de ALEXANDRE RAMAGEM, utilizaram a ferramenta FIRST MILE para monitoramento do então Presidente da Câmara dos Deputados, RODRIGO MAIA, da então deputada federal JOICE HASSSELMAN e de ROBERTO BERTHOLDO”, escreveu Moraes.
Bertholdo é apontado como advogado de Joice Hasselmann e do então vice-governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB), à época tidos como adversários políticos do governo Bolsonaro.
Já o comunicado da PF diz que a operação Vigilância Aproximada foi deflagrada a partir de provas obtidas na operação Última Milha, realizada em outubro.
Essas provas indicariam que “o grupo criminoso criou uma estrutura paralela na Abin e utilizou ferramentas e serviços daquela agência de inteligência do Estado para ações ilícitas, produzindo informações para uso político e midiático, para a obtenção de proveitos pessoais e até mesmo para interferir em investigações da Polícia Federal”.
Além de Ramagem, a operação atingiu mais onze pessoas, incluindo sete policias federais que foram afastados de suas funções.
A Polícia Federal cumpriu 21 mandados de busca e apreensão, a maioria em Brasília, mas também no Rio de Janeiro e nas cidades mineiras da Juiz de Fora e São João Del Rei.
O gabinete parlamentar de Ramagem foi um dos alvos. Ninguém foi preso.
Moraes, porém, negou pedido da PF para afastar o investigado do seu mandato de deputado.
“Essa hipótese poderá ser reanalisada se o investigado voltar a utilizar suas funções para interferir na produção probatória ou no curso das investigações”, ressaltou na decisão.
Outros parlamentares bolsonaristas saíram em defesa de Ramagem.
“Essas operações contra deputados da oposição evidenciam uma clara perseguição a esses parlamentares e esse espectro político. Precisamos nos manter firmes perante esse período de turbulência”, afirmou o deputado federal Sargento Gonçalves (PL-RN) em declaração enviada à imprensa.
A trajetória de Ramagem até a Abin
Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) em 2000, Ramagem se tornou delegado da Polícia Federal em 2005.
Na PF, foi responsável pelas divisões de Administração de Recursos Humanos (2013 e 2014) e de Estudos, Legislações e Pareceres (2016 e 2017).
Também fez parte da equipe de investigação da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro em 2017.
Com a posse de Bolsonaro, Ramagem foi chamado para o governo, tendo primeiro atuado como assessor especial da Secretaria de Governo, quando a pasta era comandada pelo general Carlos Alberto Santos Cruz.
Em junho de 2019, deixou essa função para assumir a Abin.
O ministro do STF acatou pedido do PDT, que argumentou que a amizade entre Bolsonaro e Ramagem comprometiam “os princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e do interesse público”, necessários para nomear o diretor da PF.
Na época, circulou uma foto de Ramagem ao lado dos filhos do presidente em uma festa de Ano Novo, na virada de 2018 para 2019.
Na ocasião, Bolsonaro minimizou a questão ao responder um comentário numa rede social: “E daí? Antes de [ele] conhecer meus filhos, eu conheci o Ramagem. Por isso deve ser vetado? Devo escolher alguém amigo de quem?”.
A proximidade do então delegado com a família causou especial controvérsia devido ao contexto em que ocorreu a troca de comando da Polícia Federal, logo após o então ministro da Justiça Sergio Moro se demitir afirmando que Bolsonaro estava tentando interferir na PF.
Na ocasião, o então presidente da Associação dos Delegados da Polícia Federal, Edvandir Paiva, afirmou que Ramagem era tido como “um profissional sério e competente” na categoria.
“Não há desabono à carreira dele”, afirmou ainda em abril de 2020.
“Mas há um incômodo dos delegados com essa saída traumática de Moro, com acusações [de interferência na instituição], porque a própria Polícia Federal fica como órgão em suspeita”, ressaltou na época.
Com a decisão do STF barrando a nomeação, a PF foi assumida pelo delegado Rolando Alexandre de Souza. Ramagem continuou no comando da Abin até março de 2022, quando saiu para disputar e vencer a eleição para a Câmara dos Deputados.