Personagem da mitologia grega, Atlas é um titã condenado a sustentar o céu sobre os ombros, evitando que ele caísse sobre a Terra, que ganha um breve descanso quando Heráclito, chamado de Hércules na versão romana da história, em seus doze trabalhos, é incumbido de colher maçãs de ouro e descobre que somente Atlas conseguiria realizar tal feito. Ele então se propõe a segurar o céu enquanto o outro realiza a colheita. Ocorre que, livre do peso que carregava em seus ombros, o titã pensa em abandonar Heráclito, deixando-o responsável por evitar a tragédia de os céus sucumbirem sobre a Terra. E ele só não tem sucesso nesse intento por ser ludibriado pelo semi-deus, de forma que acaba voltando a desempenhar aquele penoso papel.
Em clima de pós-Carnaval, o mito grego funciona como uma boa alegoria de como muito folião e foliona até ontem se sente na quarta-feira de cinzas, quando a festa chega ao fim e precisamos retomar compromissos e atividades do dia a dia. Afinal, após um hiato festivo e cheio de fantasia – e até de exageros, uma vez que o período é demarcado por uma cultural maior liberdade e permissividade moral –, o retorno à rotina pode ser especialmente difícil.
“Não é raro que as pessoas se queixem de uma sensação de fadiga, cansaço e desânimo nesse momento”, avalia a pedagoga Renata Fialho, especialista em educação socioemocional, quase emulando o meme no qual a jornalista Renata Vasconcelos lê uma manifestação da defesa do ex-presidente Michel Temer a uma acusação do Ministério Público Federal, à época comandado pelo Procurador-Geral da República Rodrigo Janot, classificando-a como “chocha, capenga, manca, anêmica, frágil e inconsistente” – um conjunto de adjetivos que muita gente passou a atribuir a si quando se sente mais abatida, como agora, ao fim desses intensos dias de folia.
A pedagoga pondera não ser todo mundo que, no pós-Carnaval ou depois de outros feriados prolongados, vai apresentar dificuldades em se reinserir à rotina – seja ela de compromissos, como o trabalho e os estudos, ou mesmo de outras atividades, como a prática esportiva. “Alguns vão lidar melhor com a quebra e a retomada desse calendário de afazeres. E há até os que voltam com mais gás”, sinaliza, lembrando que uma série de fatores interfere nessas diferentes formas de reagir ao retorno do que nos é habitual após um período com tudo em suspenso.
“Certamente, a maneira como cada um encara esse momento vai entrar nessa conta. Se a pessoa cede a exageros até o último instante, então, obviamente, ela terá mais dificuldades quando precisar voltar a cumprir com seus compromissos”, pontua, lembrando que, nesse caso, o esgotamento físico, o sono e outros efeitos adversos, como a ressaca, que desencadeia sintomas como dor de cabeça, enjoo e cansaço extremo, vão prejudicar essa retomada.
Mas, mesmo sem extravasar além da conta, há quem se queixe de um desânimo para retornar à vida ordinária. “Existem perfis de pessoas que tendem a apresentar mais dificuldade em manejar a mudança de rotina, mesmo que, nesse período, optem por programas mais caseiros e mesmo para descansar”, cita. Na avaliação de Renata, essa debilidade, geralmente, tem a ver com a história de vida do sujeito. “Nas famílias onde os adultos não estimulam as crianças ou adolescentes a desenvolver autonomia, a construir uma rotina – que não deve ser nem imposta e nem muito engessada –, há mais chances de que essa dificuldade apareça, uma vez que, nesses casos, a pessoa simplesmente não aprende a se organizar e, quando as coisas saem do roteiro, ela acaba perdendo o controle”, comenta, citando que um entendimento muito rígido também pode ser prejudicial – “pois a pessoa não aprende a lidar e a se adaptar a mudanças repentinas, por exemplo”.
Hiatos são bem-vindos
Ao contrário de demonizar os feriados, que funcionam como intervalos na rotina, Renata Fialho os exalta. “O nosso corpo necessita dessas pausas. Para a saúde em sua totalidade, física, mental e social, nós precisamos de momentos de descanso, de lazer e entretenimento, de sociabilidade e de contato com a natureza”, situa a especialista em educação socioemocional, mencionando que diversas pesquisas já demonstraram os benefícios desses períodos para o bem-estar, a criatividade e a produtividade.
Sendo assim, Renata indica que, em vez de rejeitar o Carnaval ou de chegar ao dia seguinte à festa se arrastando, o ideal é agir conscientemente, administrando melhor a lida com essa quebra de rotina.
“Nesse sentido, o fundamental é que a pessoa se conheça. Se ela tem facilidade de sair e voltar às demandas do cotidiano, essa transição vai ser mais tranquila. Mas, se ela é do tipo que acha esse processo muito penoso, vale recorrer a estratégias que vão amenizar esse descompasso”, opina a pedagoga, que prossegue listando algumas dicas.
“É fundamental saber fazer ajustes e concessões. Uma boa ideia, para começar, é dedicar o último dia do feriado a programas mais tranquilos, que estejam alinhados aos nossos horários do dia a dia”, aponta. “Além disso, se temos o costume de ir à academia pela manhã e sabemos que, nesse retorno, ficamos mais letárgicos, pode valer a pena prolongar o tempo na cama para ter um rendimento melhor no trabalho. E podemos fazer isso sem culpa, pois, nesse caso, não se trata de uma procrastinação, mas de um processo de readaptação”, recomenda, acrescentando que esses conselhos valem não apenas para o pós-Carnaval, mas também para o retorno de outros feriados ou dos períodos de férias.
“No caso de crianças e adolescentes, é fundamental que os pais ou outros adultos próximos ajudem nessa transição, estimulando-as a se organizar para o dia seguinte, quando vão precisar retomar suas atividades cotidianas”, sugere. “Para isso, podemos, por exemplo, apresentar às crianças e aos adolescentes alguns instrumentos que vão auxiliá-los nessa tarefa, como quadros de parede e agendas”, complementa, lembrando que essa organização também é útil aos adultos. “Sem fazer esse exercício, podemos ficar ansiosos diante da sensação de que nossos afazeres se acumularam, podemos nos sentir perdidos, sem saber por onde começar e, com isso, a tendência é que a gente procrastine mais e renda menos, ficando mais cansados e menos produtivos”, determina.