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a importância da brincadeira para a criança neurodivergente

a importância da brincadeira para a criança neurodivergente

“Será que o meu amigo não gosta de mim?” “Por que ele não brinca comigo?” “Por que ele não para de rodar?” As respostas para essas perguntas podem ser respondidas em “O menino que não sabia brincar”, livro infantil que se passa durante um recreio escolar e esclarece as dúvidas da personagem principal ao se deparar com um colega de classe autista. A obra traz à tona a importância da inclusão de crianças atípicas e explica como a interação lúdica é fundamental para esse processo. No Dia Mundial de Conscientização do Autismo (2/4), saiba como o ato de brincar beneficia o tratamento de crianças autistas.

Imersa no mundo da neurodiversidade, Caroline Brandão, jornalista e autora do livro, cansou de ouvir que a integração social de pessoas com deficiência era algo inalcançável. Mãe de Theo, menino de 7 anos diagnosticado com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), ela nunca aceitou essa constatação.

— Quando recebi o diagnóstico do Theo, eu busquei mil formas de ajudá-lo. Hoje, quase oito anos depois, penso que o essencial é que ele viva em uma sociedade que o aceite, que brinque com ele do jeito dele também e que transforme toda essa diferença em algo que amplie o nosso modo de viver —ela comenta.

Entre as muitas estratégias usadas para o tratamento do Theo, a integração de terapias diversas foram fundamentais para avanços no desenvolvimento do seu filho desde o seu segundo ano de vida, de acordo com o relato feito pela mãe.

Segundo a fonoaudióloga Marília Macedo, o plano terapêutico elaborado após o diagnóstico do autismo deve incluir, de fato, a participação de uma equipe multidisciplinar, que discute os melhores caminhos a serem tomados para que o paciente supere as suas deficiências persistentes na interação social, melhore suas habilidades de comunicação e aprenda a combater comportamentos restritivos e repetitivos.

— A tríade de terapias-base para a evolução de uma criança autista são a fonoaudiológica, psicológica e ocupacional. É muito importante que essas três atividades estejam trabalhando juntas para que haja evolução progressiva no tratamento — esclarece a especialista, que também é sócia da clínica MedAvance, que oferece esses tratamentos para pacientes com autismo.

A partir dos objetivos traçados para cada um dos pacientes em terapia, de acordo com Marília, maneiras de estimular a integração sensorial e social podem ser desenvolvidas a partir do que ela categoriza como um “brincar funcional”, prática também conhecida cientificamente como ludoterapia.

Theo aproveita os momentos de terapia lúdica para brincar em cima do skate — Foto: Foto: Reprodução de arquivo pessoal

Brincadeira como um recurso terapêutico

Segundo um artigo publicado no periódico médico World Journal of Clinical Pediatrics intitulado “Play therapy in children with autism: Its role, implications, and limitations” (Ludoterapia para crianças: funções, implicações e limitações), a prática de brincar é tão positiva e agradável para esses pacientes que pode resultar no aumento dos níveis de oxitocina que circulam na corrente sanguínea. Esse hormônio produz sentimentos de bem-estar emocional e confiança, o que pode também favorece o bom funcionamento da relação entre o terapeuta e a criança.

De acordo com a publicação, a ludoterapia também incentiva a formação de novos circuitos neurais e promove a neuroplasticidade, isto é, amplia a capacidade de adaptação do Sistema Nervoso Central de modificar suas propriedades fisiológicas em resposta às alterações do ambiente. Nesse sentido, a ludoterapia permite que a criança integre as funções criativas, emocionais e expressivas do lado direito do cérebro com as funções lógicas, orientadas por regras e analíticas do lado esquerdo do cérebro. Em geral, o cérebro precisa de 400 repetições para desenvolver uma nova sinapse. No entanto, a prática de brincar ajuda o cérebro a criar uma sinapse para cada 10-20 repetições.

Mudanças comportamentais e melhorais nas habilidades comunicacionais, advindas dessas práticas, podem ser facilmente percebidas pelas famílias dos pacientes. Para Caroline Brandão, esses efeitos foram capazes de transformar a maneira como o seu filho Theo interage com o ambiente e as pessoas ao seu redor.

— Antes o Theo não falava muito bem e tinha dificuldade de fazer contato visual, mas hoje já ele entende e repete absolutamente tudo o que a gente fala. Ele aprendeu também na terapia ocupacional, por exemplo a se vestir sozinho e a ir ao banheiro quando precisa — a mãe ressalta ao comentar sobre os benefícios adquiridos ao longo de muitos anos de técnicas terapêuticas integradas.

Por também ser uma criança com muita energia, Theo também pratica judô em seu tempo livre, algo que, de acordo com visão da fonoaudióloga Marília, optimiza os resultados obtidos nas terapias convencionais.

Profissionais de educação física especializados em atender alunos com algum tipo de deficiência, como o professor Rodrigo Brívio, ofertam aulas nas quais dedicam uma atenção especial às necessidades desses indivíduos. Em parceria com a academia Bodytech, Rodrigo e sua equipe atendem mais de 500 famílias com essas especificidades na cidade do Rio de Janeiro.

— O ponto crucial a ser entendido qual é a atividade que mais motiva cada uma dessas crianças, seja o balé, o judô, a natação, a ginástica e outros esportes. A partir disso, buscamos desenvolver junto deles o repertório de movimentos e hábitos necessários para a prática daquele esporte, mas que também podem ser usados em em situações cotidianas, como a atenção sustentada por um maior período de tempo ou a noção de ocupação do corpo no espaço — o professor esclarece.

Práticas de exercícios físicos também são complementares a terapias convencionais, de acordo com especialistas — Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo
Práticas de exercícios físicos também são complementares a terapias convencionais, de acordo com especialistas — Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo