A morte do cruzeirense José Victor Miranda, 30, soma-se a outras de torcedores no estado de São Paulo desde a implantação da torcida única nos estádios, em abril de 2016. Neste período, foram, ao menos sete mortes.
A presença de apenas uma torcida em clássicos mudou a ordem dos confrontos.
“A dinâmica nas brigam em São Paulo mudou muito em razão do jogo de torcida única”, afirma o advogado Renan Bohus, especialista em torcidas e que chegou a representar integrantes da Máfia Azul.
“Agora as brigas ocorrem em lugares afastado dos estádios sem controle do Estado. De fato reduziu muito o número de brigas, porém, quando ocorrem, são em grande proporção, vide avenida do Estado e Fernão Dias.”
+ Confira a tabela completa do Campeonato Brasileiro
A briga da avenida do Estado à qual ele se refere ocorreu em fevereiro de 2023 entre palmeirenses e corintianos.
Na avaliação de Bruno Langeani, consultor do Instituto Sou da Paz, seria natural que torcedores violentos buscassem estratégias para se adaptar a uma restrição e continuar criando oportunidades de emboscar e atacar torcedores rivais.
“A política da torcida única pode ser útil para reduzir recursos de segurança dentro e nos arredores dos estádios, mas não ataca o foco do problema”, diz ele.
“As melhores políticas de redução de violência de estádios, como ocorreu na Inglaterra, demandam muito trabalho de inteligência no monitoramento de lideranças e respostas rápidas e decisivas dos envolvidos em violência, como banimento do estádio e obrigação de comparecer em dias de jogos perante a polícia.”
Como era o cenário de violência antes da torcida única?
Antes da proibição da torcida única, foram ao menos 21 mortes em decorrência de brigas de torcida no estado de 1988 a 2016.
Na última terça (29), a reportem procurou o promotor Paulo Castilho, do Ministério Público, para que comentasse os episódios de violência entre torcidas, mas até este domingo (3) não recebeu retorno.
Miranda morreu após o ônibus em que estava ser emboscado por torcedores da Mancha Alviverde, a principal torcida organizada do Palmeiras, na madrugada de 27 de outubro, um domingo, na rodovia Fernão Dias, na altura de Mairiporã (SP).
A vítima era integrante da Máfia Azul, a maior torcida uniformizada do Cruzeiro, que em setembro de 2022 havia entrado em confronto com a própria Mancha na mesma rodovia, mas em solo mineiro. Naquele dia cruzeirenses seguiam para Campinas (SP) onde jogariam contra a Ponte Preta pela Série B. O Palmeiras enfrentaria o Atlético-MG em Belo Horizonte.
A Máfia é aliada a duas torcidas rivais da Mancha, a Independente, do São Paulo, e a Jovem Fla, do Flamengo.
No confronto há dois anos, integrantes da Mancha apanharam, inclusive o presidente, Jorge Luis Sampaio, 43. Ele teve o rosto coberto de sangue por ferimentos na cabeça e disse que teve documentos como o RG e a carteirinha de identificação da torcida levados.
Os objetos foram expostos pelos integrantes da Máfia Azul em jogos do Cruzeiro como um troféu.
Morte de cruzeirense foi revide da torcida do Palmeiras
Na avaliação da polícia, a briga que resultou na morte de Miranda foi um revide, articulado por Jorge e outros membros da Mancha, entre os quais o vice-presidente e uma liderança da torcida na zona norte, região da cidade em que a torcida organizada alviverde já se envolveu em uma série de confusões com mortes.
Para chegar aos suspeitos, a Polícia Civil cruzou imagens obtidas com fotos de torcedores em bancos de dados e placas dos veículos. O cruzamento apontou ao menos um carro em nome de um dos homens que tiveram a prisão decretada. Um outro foi ao local com o carro que está no nome da companheira.
O sinal do celular do presidente da Mancha apontou que ele estava em Mairiporã naquele dia.
Até este domingo (3), seis torcedores com mandados de prisão em aberto pela briga que resultou na morte de Miranda seguiam foragidos.
A defesa de quatro deles afirmou à reportagem não ter tido acesso ao processo, que corre sob sigilo. Um palmeirense foi preso na sexta-feira (1°). Ele, que acumula passagens por brigas de torcida no passado, não estava na primeira leva de prisões decretadas, mas teve decretada a prisão temporária de 30 dias pela Justiça
Na quinta-feira (31), a mãe de um corintiano morto em 2015 em Santana, na zona norte, esteve na delegacia. Um dos suspeitos de envolvimento na briga em Mairiporã também foi apontado de estar presente no espancamento de seu filho, que tinha 17 anos e pesava cerca de 50 kg, segundo ela.
Violência no futebol: relembre vítimas
Até então, a morte mais recente envolvendo torcedores havia ocorrido em setembro do ano passado, após a final da Copa do Brasil entre São Paulo e Flamengo, ou seja, duas torcidas com laços de amizade.
Rafael dos Santos Tarcelio Garcia, 32, foi morto com um tiro disparado por um policial militar durante uma confusão no entorno do estádio do Morumbis. O empacotador de supermercado foi atingido por um tiro de bean bag, uma munição teoricamente menos letal, na parte posterior da cabeça. O caso segue pendente de uma definição.
Dois meses antes, a vítima foi a palmeirense Gabriela Anelli Marciano, 23. A jovem estava no entorno do estádio Allianz Parque, próxima da entrada da torcida flamenguista, quando foi atingida por estilhaços de vidro de uma garrafa no pescoço. Um flamenguista, suspeito de atirar o objeto, foi preso.
Na mesma região, mas em fevereiro de 2022, o palmeirense Dante Luiz, 40, foi morto a tiros após o jogo entre Palmeiras e Chelsea pelo Mundial de Clubes. Ele foi baleado por um agente penitenciário durante uma confusão no entorno do Allianz Parque.
Um outro torcedor foi assassinado em julho de 2017. Leandro de Paula Zanho, 38, havia deixado o Allianz Parque após assistir em um bar ao jogo Palmeiras e Corinthians quando se envolveu em uma confusão na rua General Olímpio da Silveira, na Santa Cecília, centro de São Paulo. O palmeirense estava dentro de um carro parado no trânsito. Corintianos que estavam na porta de uma borracharia zombaram de Zanho, pois o Palmeiras havia perdido. Zanho foi esfaqueado e morreu. Dois homens foram condenados pela morte.
Até mesmo mortes com grande presença de torcedores rivais, como em meados dos anos 1990 e 2000, mostram uma dinâmica diferente, com elas ocorrendo sem que os jogos fossem entre os próprios times ou com jogos dos rivais no mesmo dia.
O corintiano Wallace Tomaz, 29, foi assassinado em janeiro de 2021 no Sacomã, zona sul de São Paulo. Naquele dia Palmeiras e Santos jogaram a final da Libertadores. Antes do jogo, um ônibus com membros da Mancha Alviverde que assistiram ao jogo em um bar se encontrou com corintianos dos Gaviões da Fiel.
Dois homens estavam armados no coletivo. Um deles atirou e atingiu Tomaz, conhecido como Pirata. O atirador foi preso, mas pouco depois foi posto em liberdade.
Em junho de 2022, um são-paulino foi morto por corintianos em Itapevi, na Grande São Paulo. Os alvinegros voltavam de um Corinthians e Santos em Itaquera, zona leste, quando encontraram os torcedores do São Paulo. Houve um confronto com barras de ferro.