Durante boa parte da minha infância, nos anos 1990, jamais imaginei que um dia assistiria a versões live-action de desenhos que assistia na TV. Para mim, apesar de a imaginação querer criar imagens de como aqueles personagens seriam em carne e osso, ainda parecia algo muito distante — e talvez impossível.
Pule algumas décadas e temos adaptações de animações sendo feitas para TV e cinema como se fosse a coisa mais normal do mundo. Aquilo que parecia absurdo, agora é possível. E, mesmo assim, ao ver o anúncio de uma nova adaptação de anime em live action na Netflix, a primeira coisa que passa na cabeça é “Isso não vai dar certo”.
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One Piece foi assim. Yu Yu Hakusho também. A única adaptação que parecia interessante e que fazia sentido era Cowboy Bebop. Como vocês podem perceber, é muito bom estar errado nesses casos.
Yu Yu Hakusho chega em sua versão com atores de carne e osso de um jeito corrido, com uma versão resumida de um arco inteiro em apenas cinco episódios, mas consegue capturar bem o que fez o mangá e anime funcionarem. Apesar de toda a descrença na produção, ela soube captar muito bem o espírito da obra.
Tô na área e se derrubar é pênalti
Yu Yu Hakusho adapta o primeiro arco do anime clássico, o que consiste em 51 capítulos da história, apresentando Yusuke Urameshi, um jovem delinquente que, após morrer salvando um garotinho, fica sem lugar no céu e no inferno. Ele recebe uma proposta para se tornar um detetive sobrenatural, resolvendo casos envolvendo demônios e fantasmas, e em troca, pode voltar à vida.
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Parece absurdo, mas desde os primeiros minutos da série, tudo faz sentido. Assim como aconteceu com a recente adaptação live-action de One Piece, Yu Yu Hakusho não tem vergonha do que é em momento algum. Não existe uma explicação exagerada sobre as coisas e nem personagens que tentam tirar sarro de elementos que fazem parte da alma da história. Ele abraça o próprio absurdo e segue em frente.
Tudo funciona porque todos os envolvidos, inclusive o público, aceitam aquilo que está na tela como normal. Quando Yusuke aparece sentando a porrada em geral, lutando contra demônios, ninguém fica questionando tudo aquilo no meio da pancadaria. Essa sinceridade na maneira como trata o material original, sem parecer que quer ser mais legal para “não se rebaixar” aos absurdos da ficção e fantasia (estamos de olho, Marvel), faz com que as coisas funcionem de uma maneira muito mais orgânica.
Esse é talvez o maior trunfo de Yu Yu Hakusho da Netflix. A série sabe exatamente o que é e abraça tudo com vontade. O espectador acaba não tendo outra escolha a não ser entrar no embalo e logo percebe que foi a melhor coisa que poderia ter feito.
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Eu não tenho samba no pé, mas eu bato pra caramba!
Como boa história baseada em um shounen, boa parte do apelo de Yu Yu Hakusho está nas lutas que Yusuke participa. Serei um pouco polêmico ao dizer que as lutas da série são melhores que da última adaptação da Netflix, One Piece.
Enquanto, na história do pirata que estica, tudo é exagerado — o que faz sentido pelos personagens e estilo da história —, a série do detetive espiritual traz uma pancadaria que é bonita de se ver, aliada com alguns poderes legais em momentos específicos. Logo no começo do primeiro episódio, vemos Yusuke merendando Kuwabara na bordoada, com direito a pular com os dois pés no peito do coitado de um jeito que chega a brilhar os olhos.
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As lutas do seriado são muito bem coreografadas e fazem a ação do anime ser transposta para o mundo real de um jeito realista, mas ainda completamente absurdo. Tudo ali parece ter peso, graças à mistura de efeitos práticos e de computação gráfica, deixando o resultado impactante até mesmo se você só gosta de uma boa cena de briga com porrada franca.
Ah, eu sou mais eu, né?
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É impossível falar sobre essa adaptação sem comentar sobre o retorno do elenco de dubladores do anime. A Netflix conseguiu que praticamente todos os dubladores voltassem a emprestar suas vozes aos personagens, assim como adaptaram pequenas piadas que fizeram a alegria dos fãs na década de 1990.
Apesar de ser possível assistir aos episódios com o áudio original, ver tudo com a dublagem em português dá um gostinho todo especial à adaptação, já que o trabalho ficou excelente e repete aquele que era o maior trunfo do anime quando foi exibido por aqui: a informalidade da sua localização, incorporando gírias e expressões tipicamente brasileiras. Seja ouvindo Marco Ribeiro como Yusuke, com direito às frases de efeito como a citada no título, ou Miriam Ficher como Botan, tudo ali combina bem com os atores escolhidos na produção japonesa.
Um único problema é não ter uma música tão cativante quando a da abertura do anime. Podia até chamar o pai do macaco Twelves para dar uma palhinha no encerramento.
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Você é grande, mas não é dois, eu sou pequeno, mas não sou metade!
A adaptação de Yu Yu Hakusho poderia ir por água abaixo se o elenco não prestasse. Já assisti versões live-action de animes em que a caracterização e atuação dos personagens destruiu qualquer chance de o negócio chegar perto de ser bom.
Visualmente, todos os personagens estão praticamente idênticos ao anime e mangá, caminhando na linha tênue entre fidelidade e “isso aí é cosplay”. Só que os cosplays de hoje em dia são muito bem elaborados, então fica tudo muito legal.
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Até mesmo personagens como Hiei e Kurama, com suas perucas esquisitas, estão bem legais. E tudo isso funciona por conta dos atores escolhidos para os papeis. Takumi Kitamura (Tokyo Revengers) é um Yusuke invocado, marrento, mas que consegue passar a impressão de existir bondade no seu coração.
Shuhei Uesugi (Hotel Concierge) é um Kuwabara desesperado ao ponto de ficar cômico, mas que em alguns momentos sérios, mostra que é obstinado e quer ajudar aqueles que gosta. Hiei, interpretado por Kanata Hongo (The Prince of Tennis), é como no anime, difícil de ler, mas a atuação permite que essa frieza contraste bem com os outros personagens. E Jun Shison (Anohana) como Kurama mostra vulnerabilidade e força quando necessário.
Sem o trabalho dos quatro, principalmente de Kitamura no papel principal, a série se perderia com facilidade.
Rapadura é doce, mas não é mole não
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Mas nem tudo é alegria na adaptação de Yu Yu Hakusho. Como comentamos, a temporada tem cinco episódios cobrindo um arco inteiro do mangá, que explica todo o conceito da história, seus personagens principais e o nível de ameaça que eles precisam enfrentar.
De certa forma, é possível ter uma ótima noção do que acontece nesse arco em apenas poucos episódios, porém, até mesmo que nunca viu o anime pode notar que muita coisa poderia ficar melhor se tivesse mais tempo para ser desenvolvida.
Personagens secundários recebem um pouco de atenção, mas fica uma sensação de que ter pelo menos mais alguns episódios ajudaria bastante a temporada. Com poucos capítulos, a série consegue manter um ritmo interessante, já que a história nunca para, mas alguns desafios parecem fáceis demais porque você tem noção de que a trama precisa andar e Yusuke e seus companheiros vão seguir em frente em poucos minutos.
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Não sei se a escolha de fazer essa adaptação relâmpago se deu exatamente para manter um ritmo frenético e prender o espectador ou se foi um jeito de economizar dinheiro, focando tudo o que tinham em uma temporada mais curta, mas cheia de efeitos. Talvez se a série fizer sucesso no streaming, ela tenha mais tempo para uma eventual segunda temporada.
Sentiu firmeza?
Yu Yu Hakusho é surpreendentemente uma boa adaptação do mangá e anime dos anos 1990. Entendendo bem o que fez da história original dar certo, a versão live-action abraça a galhofa quando precisa, entrega ótimas cenas de ação e não tem vergonha nenhuma de ser o que é.
Enquanto One Piece certamente receberá bem mais atenção do público, a série sobre as aventuras de Yusuke Urameshi pode ser colocada quase em pé de igualdade quando se trata de como levar um anime para o mundo de carne e osso. As peças se encaixam direitinho, mesmo que algumas ainda com dificuldade. Agora é torcer para não parar por aí.
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Yu Yu Hakusho está disponível na Netflix.