Eddie Murphy é um dos maiores astros de Hollywood ainda em atividade e é considerado um verdadeiro ícone representativo por ter se tornado o ator negro mais popular de todos os tempos ainda na década de 1980. Saído do programa humorístico ‘Saturday Night Live’, Murphy já protagonizava seus próprios filmes em meados dos anos 80, em especial após o mega sucesso que foi ‘Um Tira da Pesada’.
Eddie Murphy chegou ao mais alto patamar da maior indústria de cinema do mundo, recebendo cachês de US$20 milhões em alguns de seus filmes – quantia atingida por poucos, considerados a realeza de Hollywood. Em breve o ator retornará para seu papel mais marcante, interpretando pela quarta vez o policial Axel Foley em ‘Um Tira da Pesada 4’, o primeiro longa da franquia que não receberá um lançamento nos cinemas, mas sim na plataforma número 1 de streaming do mundo, a Netflix.
A carreira de Eddie Murphy é repleta de sucessos, vide ‘O Professor Aloprado’, ‘Um Príncipe em Nova York’ e ‘Os Picaretas’; e mesmo quando seus filmes não atingem o sucesso esperado, ainda assim se tornam obras famosas. Porém, existe um filme verdadeiramente obscuro na filmografia de Eddie Murphy, e é sobre ele que iremos falar aqui.
‘Mr. Church’ mal chegou a ser lançado no Brasil. Não estreou nos cinemas e era difícil encontra-lo na época de transição entre as locadoras, os canais de VOD (vídeo on demand) e as plataformas de streaming, que ainda engatinhavam de forma tímida. O filme será exibido hoje, nesta quarta-feira, dia 21 de fevereiro de 2024, na Sessão da Tarde da rede Globo, para os que quiserem conferir este que é um dos filmes mais elogiados da carreira de Eddie Murphy.
Ao contrário das comédias para toda a família, ou algumas mais apimentadas e escrachadas que Murphy já fez em seu repertório, ‘Mr. Church’ é um drama, que deu início a uma boa fase de filmes do ator, sendo seguido por ‘Meu Nome é Dolemite’ (2019), da Netflix. Ambos despertaram falatório de indicações ao Oscar para Murphy em suas respectivas épocas, ‘Dolemite’ mais, porém, ‘Mr. Church’ também chamava atenção daqueles que se disponibilizaram a assisti-lo.
‘Mr. Church’ fez sua estreia em 2016 no Festival de Tribeca, em Nova York, e depois seguiria para o Festival de Xangai dois meses depois, para finalmente receber uma estreia de forma restrita (ou seja, em circuito reduzido nos cinemas) nos EUA em setembro – época que costumam sair os filmes com chances de indicações aos prêmios do cinema. É uma estratégia utilizada pelos estúdios. Fora estes países, ‘Mr. Church’ só foi lançado nos cinemas na Holanda, e na Alemanha em janeiro de 2017 – nos demais países do mundo chegando diretamente no mercado de DVD.
O filme passou estes últimos 7 anos como uma das obras mais obscuras do cinema contento um grande astro como protagonista. Afinal, você já tinha ouvido falar dele? A exibição na Globo, mesmo em um programa diurno, pode jogar luz no longa e torna-lo conhecido por mais pessoas.
A história do filme é baseada em acontecimentos reais. A roteirista Susan McMartin (da série ‘Mom’), desenvolveu o texto para o filme usando suas próprias experiências com o verdadeiro Mr. Church. A trama é centrada no relacionamento de amizade que surge entre uma menininha e o cozinheiro talentoso contratado por sua mãe. No filme, Marie (Natascha McElhone) cria sua pequena filha sozinha, a menina Charlie (Natalie Coughlin). Precisando criar a filha sozinha, ela contrata a ajuda de Mr. Church (Eddie Murphy), que inicialmente trabalharia para a família por seis meses. Mas a relação termina se estendendo por 15 anos.
Nesse período de mais de uma década, Marie luta contra uma doença letal que a acomete, e a pequena Charlie cresce e se torna uma jovem mulher, nas formas de Britt Robertson. Ao longo dessa trajetória também, Charlie e Mr. Church desenvolvem um laço muito forte, que vai além de uma grande amizade, com o sujeito se tornando a figura paterna conselheira para a moça. Segundo a roteirista McMartin, que desenvolveu a obra por 10 anos até chegar aos cinemas, por mais mudanças que a história real tenha sofrido para se tornar um filme de Hollywood, o núcleo da trama permanece o mesmo: o relacionamento entre sua persona e seu “pai adotivo”.
Não deixe de assistir:
Em uma entrevista ao Hollywood Reporter na época da estreia do filme em solo norte-americano, McMartin tocou no assunto das críticas que o filme vinha sofrendo em relação ao estigma do “magical negro”. O termo, pejorativo para a comunidade negra, se refere a um artifício muito utilizado por filmes e obras do passado, em que pessoas negras eram retratadas como figuras quase místicas, cujo único propósito era ajudar, aconselhar e guiar os brancos, quase como serviçais, sem ter uma vida própria, objetivos ou desejos. Sua única motivação era aconselhar e ajudar os brancos.
Em relação a estas críticas, McMartin disse que sentiu seu sangue ferver com tais pensamentos e acusações. Ela diz apenas ter retratado a relação mais significativa que teve na vida, e que a questão da raça nunca foi sequer mencionada entre os dois. Ela diz que o filme não é sobre isso, e que poderia ser um homem branco. Mas calhou de ser um homem negro e ela ser uma menina branca. Segundo McMartin a amizade e a relação paternal foi construída acima de questões raciais, como um elo forte entre dois seres humanos.
Coincidência ou não, para a direção do longa foi contratado Bruce Beresford, responsável pelo vencedor do Oscar ‘Conduzindo Miss Daisy’ (1989), que também fala sobre a amizade de um homem negro, servindo como motorista para uma patroa branca e idosa na década de 1950. Nos papeis principais, Morgan Freeman e Jessica Tandy.
Incialmente, ‘Mr. Church’ teria Samuel L. Jackson como protagonista. O ator havia sido contratado, mas precisou deixar o projeto, sendo substituído por Eddie Murphy. Além disso, a produção teria outra cara totalmente. Isso porque de início, Uma Thurman faria o papel que terminou com Natascha McElhone, e a personagem de Britt Robertson teria as formas de Juno Temple. Na direção, antes de Beresford, o filme seria comandado por David Anspaugh (dos filmes esportivos ‘Momentos Decisivos’ e ‘Rudy’) – que terminou se tornando produtor executivo de ‘Mr. Church’.
Antes de aceitar protagonizar este filme, Eddie Murphy mantinha um hiato de 4 anos sem participar de nenhum longa; com o último tendo sido o infantil ‘As Mil Palavras’, de 2012. Murphy vinha de uma safra de filmes para toda a família, digamos, nada memoráveis. E no período ainda precisou encarar o engavetamento de uma pretensa série de ‘Um Tira da Pesada’, que veria seu filho como protagonista, interpretado por Brandon T. Jackson (que já havia sido o filho da ‘Vovó Zona’ no terceiro filme estrelado por Martin Lawrence). Murphy faria uma participação no piloto como Axel Foley.
Dessa forma, Eddie Murphy precisava reinventar sua carreira se quisesse seguir relevante. E o hiato fez bem para a reestruturação. ‘Mr. Church’ foi o primeiro passo rumo a esta nova onda de popularidade do ator, e abriu portas para ‘Meu Nome é Dolemite’, ‘Um Príncipe em Nova York 2’, ‘Certas Pessoas’, ‘A Batalha do Natal’ e ‘Um Tira da Pesada 4’, em um acordo do ator com as duas principais plataformas de streaming da atualidade: a Netflix e a Amazon Prime Video.
‘Mr. Church’ pode ser considerado um filme independente, pois não contou com a distribuição de nenhum dos estúdios considerados major em Hollywood. Financeiramente, não foi considerado um sucesso. Pelo contrário. O longa custou US$8 milhões para os investidores, mas não arrecadou sequer US$1 milhão. Porém, precisamos levar em conta o lançamento super restrito que o filme teve nos EUA e no mundo.
Quando falamos do prestígio e elogios, a história é outra. Em especial do público, que o colocou em um pedestal. E o elogio dos fãs é o que motiva grande parte dos realizadores. No Rotten Tomatoes, embora a nota dos críticos não seja nada elogiosa, com 33 resenhas somadas, o grande público, com mais de 2.500 avaliações o enaltece com 81% de aprovação. O mesmo ocorre no IMDB, onde ‘Mr. Church’ soma 76% de aprovação com 31 mil avaliações.